Luau Drey

Luau Drey
...

terça-feira, 11 de setembro de 2012

11 ANOS DEPOIS

Eu escutei em algum lugar que o melhor número- para quem acredita em numerologia- seria o 11. 
Mas eu nunca acreditei em numerologia. 
Dentro de meu covarde ceticismo, prefiro achar que o 11 de setembro de 2001 foi uma data definida ao acaso. Eu, sinceramente, duvido que quem quer que seja o planejador e executor dos atentados às Torres, sentou com seus amiguinhos kamikazes de sei lá onde e disseram: "tem que ser no dia 11 de setembro porque bla bla bla..." 
Bem, esse post foi escrito há uns 5 anos e eu só resolvi postar agora, 11 anos depois, porque tive preguiça de revisá-lo antes e procurar uma imagem boa o bastante. Curti a dramaticidade desta:




Embora costume escrever a respeito de qualquer coisa, não redigi uma linha sequer em 11 de setembro de 2001. Talvez por não acreditar no que eu assistia de uma internet discada, ou por desconfiar que o mundo poderia acabar em algumas horas e qualquer coisa que eu escrevesse se perderia na explosão imaginária do fim.
Imaginei uma guerra mundial e lamentei por alguns segundos o fato de não ter filhos. Lamentei também por não ter conhecido o Hawaii e Paris. Pode parecer frieza, mas me lembro de me sentir bem contrariada por nunca ter ido a Paris.
Eu estava trabalhando no dia 11 de setembro de 2001. Trabalhava como produtora de moda numa confecção e em algum momento alguém nos chamou até a sala da diretoria para assistirmos algo que estava ocorrendo nos EUA pela TV e sendo transmitido pela CNN americana.  Eu não fui. A troca de coleção seria naquela semana e eu tinha muito trabalho a fazer. O computador da minha mesa estava ligado e eu consegui ver uma imagem muito ruim das Torres, que ainda estavam lá, só com o que parecia ser uma fumaça escura saindo delas. 
Continuei meu trabalho, controlando estoques e decidindo que peças iriam para quais lojas e não consigo precisar se muito ou pouco tempo depois, ouvi murmúrios, suspiros ou gritos abafados vindos da sala da diretoria, onde estavam todos e a televisão. Olhei para o computador e a primeira torre desabou. Fiquei perplexa. Percebi que era sério, deixei as folhas na minha mesa e me sentei diante do computador com aquela imagem horrível. Por uma dessas sensações estranhas que nos surgem em momentos de tensão, eu quis ficar sozinha.
A imagem no computador era pequena e muito ruim, mas eu vi claramente a outra torre caindo como um castelo de areia. A fumaça que se formou me fez perder o fôlego por alguns minutos, mesmo estando muito, muito longe dali. Pensei imediatamente no meu irmão que estava tentando fazer o caminho de Santiago de Compostela e que teria que voltar imediatamente após um apelo desesperado da minha mãe. Se eu bem a conhecia, ela tinha certeza que o mundo iria acabar e queria, neste momento derradeiro, todos os filhos por perto.
O telefone tocou. Imaginei ser a própria. Já?
Era- 11 anos atrás - meu  marido. Estava em choque. Assistiu todo o “espetáculo” pela TV  a cabo, com narração e tudo o mais. E me perguntou, como se eu fosse uma espécie de guru: “vc acha que vai acontecer a 3ª guerra mundial?” Embora eu tivesse até considerado essa possibilidade, ela me pareceu ridícula pronunciada por outra pessoa. Falei, imediatamente: claro que não! Ele ficou mudo do outro lado e me disse muitos segundos depois: “eu vi pessoas se jogando do prédio!” Eu respondi, meio que tentando fazer aquilo tudo parecer uma grande bobagem, que ele deveria ter feito outra coisa e desligado a TV. Ainda me fiz de irritada e disse que aquele comportamento era até meio mórbido, de ficar olhando um edifício em chamas e pessoas se suicidando. Então, ele falou que não conseguiu desligar a TV e parar de assistir aquele absurdo.
Me senti triste, então. Assim como meu marido, que não tinha sequer um conhecido entre aquelas 3 mil pessoas, eu percebi que o ser humano poderia, sim, ter um lado muito cruel. Fiquei imaginando o que os EUA poderiam ter feito para despertar um ódio tão grande como aquele. Não cogitei o Oriente, os comunistas (eles ainda existem?), nem judeus ou muçulmanos. No meio desse emaranhado de pensamentos injustificáveis, considerei que a guerra fria havia acabado há muito tempo e nem os soviéticos, provavelmente, eram os culpados. Pensei em norte americanos mesmo. Um país novo e sempre envolvido em guerras, venda e porte de armas de todos os tipos e alcance. Aviões de guerra, navios de guerra, submarinos de guerra, triciclo de guerra, Bebê  Conforto de guerra... Guerra! Guerra! Guerra! Aquilo não poderia mesmo acabar bem.  Eu sempre os achei meio malucos. Eles também devem achar o mesmo de nós tão pacíficos, mas tão conformados.
E na confusão de sentimentos, naquele instante, eu me senti absurdamente feliz por não ter tido filhos. 


(2 anos e meio depois nasceu o Lucca. Mesmo com tanta falta de credibilidade no mundo, ele é a minha contribuição para o futuro esperançoso de uma humanidade mais generosa.)

quinta-feira, 28 de junho de 2012

EM QUE CAIXA EU GUARDO NOSSO PASSADO?

    
    A função mais difícil da separação, para ela, foi arrumar as coisas dele dentro de caixas e esperar pacientemente pelo carreto levar embora um pouquinho da história dos dois. Havia um mundo de coisas para arrumar e ele teve o cuidado de mandar a mãe deixar várias caixas de papelão - todas do mesmo tamanho - na casa (agora) dela. 
     
    Quando ele telefonou naquele dia, avisando que as caixas chegariam e "ordenando" que ela arrumasse tudo, etiquetasse e não saísse de casa no sábado à noite (????), por conta da chegada do carreto, ela quis protestar, mas desistiu. Raramente, ao conversarem, não discutiam por algo e ela concluiu que se não o fizesse, provavelmente ele apareceria para fazer. Estava cansada. De discutir, de pensar, de controlar situações absurdas que haviam surgido e não travaria uma nova batalha pela arrumação de coisas. Aquele não seria nem o primeiro nem o último sábado à noite que ela ficaria em casa.

    Na sala havia pouca coisa. Os CDs, todos originais, (ele se negava a colocar os piratas no seu aparelho de som importado, de um milhão de dólares e um dos únicos presentes que a mãe havia trazido a ele de Londres) ocuparam duas caixas. Ela teve o cuidado de separar por estilos: em uma caixa os de rock e em outra os de ska e música eletrônica. Etiquetou. Pensou em ficar com alguns, mas desistiu, pois tinha todos que queria no seu iPod.  
      
      Subiu para o quarto.

      O curioso do quarto é que ele é o lugar da casa que mais guarda segredos e histórias não visíveis a qualquer um. Ela abriu uma gaveta e se deparou com os cartões que havia dado a ele em datas importantes. Todos organizados por ordem cronológica e separados em envelopes maiores: Natal, aniversário, aniversário de casamento, dia dos namorados, dia do profº de Educação Física. ("como gostava de escrever cartões!" pensou) E, talvez de propósito, ele a tenha obrigado naquele instante a reviver lembranças tão doces e lindas, que não condiziam com a situação de mágoa que estavam. Eram letras que contavam mais que histórias: contavam quem eles eram, foram ou deixaram de ser de alguma forma. 

     Abriu o armário. Ainda havia algumas camisas, calças e os dois únicos ternos que ele tinha. Um deles um Armani que ela adorava  e haviam comprado por uma pechincha num outlet em Lima. Riu com a lembrança deles completamente atrapalhados na viagem de volta com 4 pranchas de surf e ela segurando o terno na capa, histérica, porque não queria amassá-lo. Resolveu não colocá-lo em caixa, pois podia amassar e estragar o tecido. As poucas roupas que restavam não ocuparam mais que uma caixa, pois ela as dobrou com um cuidado ímpar. Herança dos seus anos de Daslu.

     Era difícil acreditar que em algumas horas não haveria mais nada dele naquela casa em que foram felizes por anos. Começava ali, naquela despedida, um novo ciclo. E todo novo ciclo pede uma entrada e uma renúncia. E renunciamos todo dia, toda hora, todo momento. Não só para ciclos longos, mas para quando acordamos e vamos dormir. Abrimos mão do sofá porque temos que trabalhar e da TV à noite porque o corpo pede calma. Renunciamos ao mundo com carinho porque sabemos que cada caixa que vai embora é, no mínimo, um aprendizado. Ou uma saudade gostosa da gente mesmo. E ela sentiu uma nostalgia gigante daquele divã que o seu quarto oferecia e se perguntou se a bagunça inconsciente que se acumulou dia após dia não era uma vontade sua, bem sincera e honesta, de obrigá-la a abrir as portas, as caixas e analisar a vida de vez em quando. As caixas vão, mas a gente fica. Fica mais forte e mais nostálgico. Mais saudoso e mais notável também. As caixas vão embora, mas isso tudo fica.  

terça-feira, 8 de maio de 2012

E NÃO VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE


E a história acabou mesmo antes de começar...
Acabou junto com o verão, numa sexta-feira enluarada de março e com ela derrubando algumas lágrimas só para tornar mais dramática aquela despedida de um só.

Imediatamente, não doeu. Chegou até a sentir um certo alívio, pois sabia lá no fundo do seu coração machucado que não ia dar em nada a sua aventura adolescente. Pensava todos os dias em como acabaria aquela piada horrorosa que ela contava para si mesma e o fim foi bem melhor do que ela havia previsto.

Ambos não se acusaram, não brigaram, xingaram ou se maldisseram. Acabara com a mesma classe e silêncio que começara há algumas centenas de dias atrás. Ela se odiou, como era de costume, por ter sido ingênua e boboca, mas até esta sensação não durou mais que um par de horas.
Relembrando todo o enredo vivido, não sabia dizer exatamente o que havia acontecido e em que momento ela começou a acreditar naquela ilusão.

Entendia a raiva de si mesma. O sentimento de ter sido enganada e iludida não condizia com a grandeza do que sonhava e costurava na sua colcha eterna de sonhos impossíveis e dignos daquele romance que ela sempre quis escrever.

Era o momento de ter orgulho e começar a rasgar suas expectativas malucas e rir de cada lágrima derramada e cada dúvida que deixou criar raiz.  O que de verdade machucava era a mania de criar futuros saídos de enredos hollywoodianos e por não ter conseguido mudar a história e se tornar a mulher que queria ser. 




segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

MÃOS QUE FALAM


Aqui estou eu de novo escrevendo pra você.
Talvez um dia você leia tudo que eu já te escrevi. Talvez não tenha saco. Talvez chore. Talvez ria. Talvez se emocione. Talvez eu nunca envie. Talvez eu morra. Talvez eu te esqueça.
Desde que te conheci essa é a palavra que mais tenho usado: talvez.
Eu sabia que não podia me apaixonar. Que não devia. Eu até tentei (não de verdade) não ligar pra você, mas... fracassei. Que merda. E me perdi. Da forma mais perdida que alguém pode se encontrar.
Dezenas de vezes tentei te riscar da minha vida e ser forte o bastante para jamais, nunca mais, em hipótese alguma saber qualquer coisa de você. Ler, ver, ouvir, procurar e stalkear sua vida estaria terminante proibido. Não consegui. Eu sabia que meus dedos digitariam involuntariamente e o controle remoto da TV te procuraria sem querer.
Me senti presa a você. Sem poder, sem saber e sem querer. Como se nesses anos eu já te conhecesse e precisasse de você como agora. E eu rezava às vezes (não de verdade) pra que você nunca mais me chamasse e se chamasse, eu não responderia. Porque me livrar de você é se livrar um pouco de mim também. Porque cada vez que eu visse um carro velho eu teria que pensar em outra coisa. Cada vez que eu pegasse um livro. Cada vez que ouvisse uma música. Cada vez que comesse lichia. Cada vez que pensasse em Cuba, na Croácia ou qualquer outro lugar lindo.. Cada vez que o meu time de futebol perdesse do teu. Ou ganhasse. Te esquecer completamente significa quase não viver.
Mas ainda assim me sinto triste. Consegui apagar todas as suas mensagens e mandar seus e-mails para uma pasta zipada. E nunca mais abrir. Só quando parasse de doer. Mas eu os leio todos os dias, ou penso neles todos os dias. Eu chorei com uma música. Aliás ando chorando por tudo, até em novela, que eu sempre detestei. Me interesso pelo campeonato paulista, corridas, viagens e você. Tento fugir de você, mas é como fugir de mim porque em algum caminho meu olhar cruzou o teu. E esse olhar azul eu não consigo resistir nem dizer não. Daqui a pouco sei que você me chama e eu te atendo porque sou fraca demais para lutar contra, porque já te disse mais de mil vezes o quanto eu te quero.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

ENSAIO DE UMA PAIXÃO INACABADA


Vermelho. Pode deixar, eu não tenho pressa. Eu posso passar o resto da madrugada deslizando meus dedos pela sua pele macia. Eu vou passar horas e mais horas encostando minha boca na tua para sentir o teu gosto. Eu não faço questão nenhuma de tirar suas mãos do meu corpo. Mas deixa, vai. Deixa eu colocar as minhas mãos nas tuas costas e gemer baixinho por conta desse abraço. Me deixa brincar de te beijar enquanto eu tiro tua roupa. Me deixa embolar, agarrar, me perder e te trazer pra mais perto. Me deixa sentir o teu cheiro, inalar a tua essência. Me deixa viver um pouco de você. A gente traça um acordo: eu deixo você ser você mesmo, do jeito que você quiser e você me deixa tomar conta de você à minha maneira. Deita do meu lado. Eu gosto das nossas conversas no meio da noite. Tua respiração ritmada e você chegando de mansinho, apesar dos meus falsos protestos. Pode me apertar. Eu não gosto que puxe meu cabelo, mas adoro quando você aperta meu quadril. Eu mereço isso por ter demorado tanto a te encontrar. Eu mereço toda e qualquer punição deste tipo por ter te deixado andar sozinho por aí.

Amarelo. Por que você me olha assim? Quase não acreditando que sou tua. Eu te entendo, no final das contas. Mas não vamos nos despedir agora. Entrelaça tuas pernas nas minhas, joga o teu peso por cima do meu corpo. Deixa eu te olhar mais de perto, contar todas as pintas do teu ombro e encontrar aquela cicatriz invisível que só eu sei achar. Para de me chamar de linda, vai. Assim você me arranca alguns sorrisos, enquanto eu tento fazer de conta que nem me importo contigo. Não funciona pra mim, eu sei. Vem cá, vem. Me deixa deslizar a mão pelas suas costas. Te ouvir soprando meu segundo nome mais de perto. Sentir você me despindo das desculpas que eu tanto te dei por estar numa outra história. As tuas mãos estão úmidas. Você está nervoso, posso sentir. Deixa eu te guiar. Deixa eu te levar por meio dos meus beijos. Deixa eu te mostrar como é meu corpo, embora eu tenha a nítida sensação que você já o conhecia. É você quem dita o ritmo dessa dança.

Verde. Só restamos nós dois aqui e um caminho inteiro pela frente. Me abraça e cola teu corpo no meu. Vem me mostrar essa mistura de paixão e medo que Eros tanto procurava. Deixa a chuva cair lá fora calmamente. Eu sinto o peso do teu coração. Me deixa repousar no teu peito ainda muitas vezes. Deixa eu pensar que o mundo lá fora nem existe quando estou contigo . E pensa isso comigo. Me deixa ser o encaixe perfeito do teu corpo, desenhar nós dois na sombra do lençol, te mostrar que vou aonde você quiser. Encosta tua boca no meu ouvido e me deixa sonhar que vou casar com você. Eu deixo você fumar do meu lado. Eu deixo você odiar meu time de futebol. Não se move, não me deixe aqui sozinha. Eu sou tua e você é tudo aquilo que quiser ser. Vamos continuar essa dança até o último suspiro. E no final das contas, vem. Pode vir.

O ÚLTIMO CONTO

Era uma manhã diferente. Daquelas que você não tem certeza se será ótima ou péssima e sente até uma insegurança com o que está por vir. Mas fazia sol. Um sol tímido para um dezembro paulistano, mas estava ali e para ela era isso que importava. Enquanto pedalava de volta do trabalho para casa pelas ruas do Planalto, ouvindo The Killers no iPod, voltou 18 anos atrás e pode, por segundos, sentir o cheiro do mar. Sentiu saudades da praia, dos amigos, do tempo e das tardes inteiras na areia que lhe rendiam um bronzeado despretensioso, mas de causar inveja. Sentiu falta das preocupações que tranquilamente aguardariam até o final do verão para serem resolvidas, pois nada naquele momento importava mais que o sol, a praia, os amigos e tudo que aquela estação do ano prometia. Mas há 18 anos atrás, como naquela manhã de agora, ela não tinha certeza de nada. Apenas que era um dia lindo de dezembro, com o sol brilhando - mesmo que tímido- e percebeu, com certa melancolia, que o tempo, implacável, havia passado. Ao subir a passarela da 23 de Maio- que naquele pedaço não chama 23 de Maio e ela também não fazia ideia de como se chama e isso pouco importava- voltou alguns meses atrás e teve uma sensação incômoda de infelicidade. Enquanto se concentrava em desviar do lixo com a bicicleta, fazia uma força sobre humana para retornar aos pensamentos anteriores. Sem sucesso. Aquele nó na garganta e o gosto amargo da insatisfação chegavam a sufocá-la. Todo o caminho - pouco mais de 10 minutos - foi de lembranças intercaladas de um passado muito distante e um outro recente, tão diferentes e antagônicos que ela, por segundos, pensou em não trabalhar no dia seguinte e ir a praia fingir que tudo era igual e fácil de se resolver.
Estava muito difícil compreender a dinâmica do que estava acontecendo. Um período turbulento havia se formado como nuvens ameaçadoras naquele céu tão claro e azul. E um dia seu castelo desabou. Perdeu o controle das coisas. Se perdeu no seu mundo inventado e não havia mais como se encontrar. Sentia-se triste, desleal e concluiu que sempre soube que aquilo, provavelmente, não acabaria bem. Começou a ter dúvidas da sua sanidade. Não se parecia com ela. Ela, que odiava as coisas mal explicadas, sequer tinha uma explicação plausível para aquele turbilhão. Livros, frutas, autores, crise conjugais, horas de conversa e centenas de palavras escritas. Se estivesse realmente fora de seu juízo perfeito, poderia facilmente ter inventado o príncipe encantado, o homem dos seus sonhos, tão diferente dos seus sonhos... Ele a faria escrever de novo, devolveria suas ideias, seus sentimentos, sua enorme habilidade em criar histórias lindas. Em falar sobre tudo. Ele a salvaria daquele vácuo de criatividade que a assombrava, graças a sua infelicidade.
Por segundos pensou se não havia falado demais. Ela sempre falava demais. E agia impulsivamente. Agia consciente dos riscos, das lágrimas causadas e por mais que doesse agora, não se arrependia de nada. Muito foi devolvido a ela naqueles instantes efêmeros, mas inesquecíveis. E tinha que concordar com seu pai que contos de fadas com finais felizes só existiam nos livros que ela lia e gostaria de escrever.
Ela havia sonhado demais. Desde o início era um sonho solitário. Não foi enganada, iludida, induzida ao erro. Sempre soube que aquele sonho pertencia somente a ela. Como se apenas um personagem coubesse naquela história que ela mesma havia escrito.
Ao descer sua rua, mergulhada em tristes lembranças, ouviu a voz da filha no quintal. Abriu o portão - era um barulho peculiar o do bambu no chão -e sua garotinha a recebeu com um livro na mão. "-Mamãe! Mamãe! Olha o que o papai comprou!!"
O marido chegou sorrindo. Na mesma hora ela desvendou aquele sorriso que conhecia há mais de 20 anos. Ele estava sendo irônico, pois havia comprado um livro e não outra raquete de tênis.
Então, ela também sorriu. Depois, gargalhou. Riram juntos como há muito tempo não faziam. Aquela era a sua vida. A vida que ela havia escolhido ou que escolheram para ela. Dane-se! Era a vida que ela tinha e que apenas naquele momento teve a certeza de que era feliz. Não do jeito que havia planejado, mas estar ali, naquela casa, com seu cachorro e sua família linda era tudo que ela poderia querer. Havia períodos bons e outros ruins e aquele era apenas um ruim e já estava passando.
Abraçou o marido. Quando os corpos se encontraram foi como se nunca houvessem se separado. Sua cabeça se encaixava perfeitamente nos músculos do peito e os braços a enlaçavam e protegiam como asas de anjo. Nada disseram. Não era necessário. Ficaram longos minutos abraçados, se desculpando em silêncio. Ela podia ouvir sua garotinha conversando com o cachorro naquela alegria infantil, tão características das crianças.
Teve certeza que aquelas duas pessoas a amavam e a viam gigante, de verdade, mesmo que se escondesse. Naquele momento foi como se os dois dissessem: "- Você voltou? Que bom! Sentimos saudades!"
Começava ali uma outra parte da sua vida! Como se tivesse acordado de um coma e reconhecendo o mundo novamente. O seu mundo. E o sonho... Era apenas um sonho.
FIM