Luau Drey

Luau Drey
...

terça-feira, 12 de agosto de 2014

O ÚLTIMO POST



Eu te amo, mas não posso. 

Sei que esta sou eu, mas eu não quero ser esta. Eu não consigo.


Eu vivia num mundo preto e branco e você me apresentou um mundo cheio de cores, tão lindo!


Mas eu não sou forte o suficiente para dar conta dele.


Não tenho coragem de encarar os olhos do meu pai, do meu filho e das pessoas que acreditaram nesta história que eu inventei.


Então, resolvi voltar para a minha vida em preto e branco. Pelo menos nela eu consigo sobreviver.




                                                              FIM

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Mãos de rato

 “Quando ele estendeu a mão, ela virou o rosto.
   Era como se se deparasse com uma deformidade que lhe causou ânsia.  
  Instintivamente, recolheu as suas. O simples toque naqueles dedos afilados seria como ser contaminada pela peste bubônica.
   Lembrou-se de quando era criança, quando uma ratazana passou sobre seus pés descalços no jardim da praia.
  Teve asco dele. Pediu para ir ao banheiro e vomitou.
      Quando voltou, razoavelmente recomposta, tinha as mãos encolhidas. Sentou-se e colocou-as entre as pernas.
   Evitou olhar seu rosto de roedor, que àquela altura já tinha bigodes finos vibrantes e um nariz pontudo e vermelho. Ele esticou as mãos sobre a mesa como se quisesse tocá-la a qualquer custo.
   Ela gritou, e todos no restaurante olharam para a mesa deles.
 Levantou-se, chamou um táxi e saiu. Estava sem dinheiro e, ridiculamente, perguntou ao motorista se ele aceitava cartão. Ele aceitava. Menos Dinners."

domingo, 21 de abril de 2013

DESPERTAR DA PAIXÃO


Acordamos e não nos levantamos.

Desde que nos apaixonamos, a cama é o nosso acampamento.
...

Despertamos cedo e ficamos conversando, recapitulando a rotina, rindo à toa.

Foi uma noite inteira assim, entre travesseiros, edredom e meus cabelos.

O quarto permanece escuro, as cortinas fechadas, o jornal empilhado na porta.

De vez em quando, um dos dois é sorteado como emissário da geladeira, para buscar suco de laranja ou água. É uma visita rápida pelos demais aposentos, na ponta dos pés para não assustar as pálpebras.

Não é aconselhável demorar pela sala, para a claridade não quebrar o encanto e nos obrigar a sair à rua. Eu sempre reclamo que tanta janela assim é desnecessário.

Somos sonâmbulos um do outro. Viciados um no outro. Intoxicados um do outro.

Passamos a noite no colchão travando histórias e revelando segredos.

A cama é o nosso hotel, nossa casa na serra, nossa residência de praia, nosso bunker, nosso pub, nossa água-furtada.

A cama é o que precisamos do mundo, o resto pode levar.

Reduzimos o universo àquele colchão que parece nos abraçar, e nos divertimos com os problemas antigos, com as dores antigas, com aquilo que nos antecedeu e ainda não era a gente.

Na verdade, sinto que estudo para o vestibular de sua memória. Olho o teto coberto de fórmulas, fotos, cenas, equações e cálculos de sua vida.

Decoro suas sobrancelhas, seus suspiros, a cicatriz no ombro. Sou uma mímica atenta do seu corpo.

Faço perguntas despropositadas - nunca prevejo o que vai cair na prova da paixão repentina.

Interesso-me por qual lugar que sentava no Arquidiocesano. Me diz que era no fundo, com as costas coladas na janela.

E você me interroga a cor do meu uniforme na escola de freiras, só de garotas. Falo rápido que era azul.

Quem teria coragem de fazer essas questões senão quem está apaixonado? Mais: quem responderia com naturalidade essas questões senão quem está completamente apaixonado?

Não nos assustamos com nenhuma gratuidade. Não estranhamos a curiosidade ou nos envergonhamos da loucura.

Intimidade é não temer o que será feito com nossas palavras.

Deitamos de lado, atravessados, você em meu peito, eu encaixado na moldura de seu pescoço. Giramos para esquerda, tonteamos para direita, argumentamos, confortamos, descrevemos nossos amigos, confessamos nossos pecados, sussurramos bobagens.

Os ouvidos se tornam rápidos como a boca. Falo e ouço na mesma hora.

Nossas mãos se beijam, nossos pés se beijam.

Tudo é intenso entre nós a ponto da lembrança criar a experiência. É como se nossos olhos fossem aquela máquina polaroid cuspindo fotos.

Os vizinhos devem suspeitar que já morremos, mas nunca estivemos tão vivos.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

COMEÇO, O FIM E O MEIO

Era uma sexta-feira de inverno.
Tinha que ser no inverno! - pensou ela.
Além de não suportar o frio, parecia que todas as suas desgraças pessoais tinham alguma ligação sinistra com o clima.
A cabeça girava e doía. Os pensamentos se embaralhavam numa compaixão por si mesma misturados ao arrependimento - cruelmente dolorido- de concluir que poderia ter evitado aquele ferimento mortal.
    Uma palavra não dita. Um segundo de desinteresse. Um único acontecimento que poderia anular toda a sua curiosidade em saber o que havia do lado de lá.
   Andou quilômetros se esgueirando do destino, das pessoas e, ao perceber o quanto estava longe, não havia mais como voltar.
  Imaginava-se num futuro próximo. Algum governo inventaria a Pílula do Esquecimento Programado e ela, então, não mais se recordaria daquele episódio lamentável de sua história.
    O enredo até parecia ser outro desta vez. Não imaginava o quão depressa o tempo passaria. E, como havia acontecido algumas vezes, quando ela não mais desejasse aquilo, todos os sonhos se realizariam. 
    Tarde demais. Sempre parecia ser tarde demais. E num belo dia ela diria a si mesma que não tinha tanta importância.
    Realmente não existe amor em São Paulo. E em lugar algum.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

11 ANOS DEPOIS

Eu escutei em algum lugar que o melhor número- para quem acredita em numerologia- seria o 11. 
Mas eu nunca acreditei em numerologia. 
Dentro de meu covarde ceticismo, prefiro achar que o 11 de setembro de 2001 foi uma data definida ao acaso. Eu, sinceramente, duvido que quem quer que seja o planejador e executor dos atentados às Torres, sentou com seus amiguinhos kamikazes de sei lá onde e disseram: "tem que ser no dia 11 de setembro porque bla bla bla..." 
Bem, esse post foi escrito há uns 5 anos e eu só resolvi postar agora, 11 anos depois, porque tive preguiça de revisá-lo antes e procurar uma imagem boa o bastante. Curti a dramaticidade desta:




Embora costume escrever a respeito de qualquer coisa, não redigi uma linha sequer em 11 de setembro de 2001. Talvez por não acreditar no que eu assistia de uma internet discada, ou por desconfiar que o mundo poderia acabar em algumas horas e qualquer coisa que eu escrevesse se perderia na explosão imaginária do fim.
Imaginei uma guerra mundial e lamentei por alguns segundos o fato de não ter filhos. Lamentei também por não ter conhecido o Hawaii e Paris. Pode parecer frieza, mas me lembro de me sentir bem contrariada por nunca ter ido a Paris.
Eu estava trabalhando no dia 11 de setembro de 2001. Trabalhava como produtora de moda numa confecção e em algum momento alguém nos chamou até a sala da diretoria para assistirmos algo que estava ocorrendo nos EUA pela TV e sendo transmitido pela CNN americana.  Eu não fui. A troca de coleção seria naquela semana e eu tinha muito trabalho a fazer. O computador da minha mesa estava ligado e eu consegui ver uma imagem muito ruim das Torres, que ainda estavam lá, só com o que parecia ser uma fumaça escura saindo delas. 
Continuei meu trabalho, controlando estoques e decidindo que peças iriam para quais lojas e não consigo precisar se muito ou pouco tempo depois, ouvi murmúrios, suspiros ou gritos abafados vindos da sala da diretoria, onde estavam todos e a televisão. Olhei para o computador e a primeira torre desabou. Fiquei perplexa. Percebi que era sério, deixei as folhas na minha mesa e me sentei diante do computador com aquela imagem horrível. Por uma dessas sensações estranhas que nos surgem em momentos de tensão, eu quis ficar sozinha.
A imagem no computador era pequena e muito ruim, mas eu vi claramente a outra torre caindo como um castelo de areia. A fumaça que se formou me fez perder o fôlego por alguns minutos, mesmo estando muito, muito longe dali. Pensei imediatamente no meu irmão que estava tentando fazer o caminho de Santiago de Compostela e que teria que voltar imediatamente após um apelo desesperado da minha mãe. Se eu bem a conhecia, ela tinha certeza que o mundo iria acabar e queria, neste momento derradeiro, todos os filhos por perto.
O telefone tocou. Imaginei ser a própria. Já?
Era- 11 anos atrás - meu  marido. Estava em choque. Assistiu todo o “espetáculo” pela TV  a cabo, com narração e tudo o mais. E me perguntou, como se eu fosse uma espécie de guru: “vc acha que vai acontecer a 3ª guerra mundial?” Embora eu tivesse até considerado essa possibilidade, ela me pareceu ridícula pronunciada por outra pessoa. Falei, imediatamente: claro que não! Ele ficou mudo do outro lado e me disse muitos segundos depois: “eu vi pessoas se jogando do prédio!” Eu respondi, meio que tentando fazer aquilo tudo parecer uma grande bobagem, que ele deveria ter feito outra coisa e desligado a TV. Ainda me fiz de irritada e disse que aquele comportamento era até meio mórbido, de ficar olhando um edifício em chamas e pessoas se suicidando. Então, ele falou que não conseguiu desligar a TV e parar de assistir aquele absurdo.
Me senti triste, então. Assim como meu marido, que não tinha sequer um conhecido entre aquelas 3 mil pessoas, eu percebi que o ser humano poderia, sim, ter um lado muito cruel. Fiquei imaginando o que os EUA poderiam ter feito para despertar um ódio tão grande como aquele. Não cogitei o Oriente, os comunistas (eles ainda existem?), nem judeus ou muçulmanos. No meio desse emaranhado de pensamentos injustificáveis, considerei que a guerra fria havia acabado há muito tempo e nem os soviéticos, provavelmente, eram os culpados. Pensei em norte americanos mesmo. Um país novo e sempre envolvido em guerras, venda e porte de armas de todos os tipos e alcance. Aviões de guerra, navios de guerra, submarinos de guerra, triciclo de guerra, Bebê  Conforto de guerra... Guerra! Guerra! Guerra! Aquilo não poderia mesmo acabar bem.  Eu sempre os achei meio malucos. Eles também devem achar o mesmo de nós tão pacíficos, mas tão conformados.
E na confusão de sentimentos, naquele instante, eu me senti absurdamente feliz por não ter tido filhos. 


(2 anos e meio depois nasceu o Lucca. Mesmo com tanta falta de credibilidade no mundo, ele é a minha contribuição para o futuro esperançoso de uma humanidade mais generosa.)

quinta-feira, 28 de junho de 2012

EM QUE CAIXA EU GUARDO NOSSO PASSADO?

    
    A função mais difícil da separação, para ela, foi arrumar as coisas dele dentro de caixas e esperar pacientemente pelo carreto levar embora um pouquinho da história dos dois. Havia um mundo de coisas para arrumar e ele teve o cuidado de mandar a mãe deixar várias caixas de papelão - todas do mesmo tamanho - na casa (agora) dela. 
     
    Quando ele telefonou naquele dia, avisando que as caixas chegariam e "ordenando" que ela arrumasse tudo, etiquetasse e não saísse de casa no sábado à noite (????), por conta da chegada do carreto, ela quis protestar, mas desistiu. Raramente, ao conversarem, não discutiam por algo e ela concluiu que se não o fizesse, provavelmente ele apareceria para fazer. Estava cansada. De discutir, de pensar, de controlar situações absurdas que haviam surgido e não travaria uma nova batalha pela arrumação de coisas. Aquele não seria nem o primeiro nem o último sábado à noite que ela ficaria em casa.

    Na sala havia pouca coisa. Os CDs, todos originais, (ele se negava a colocar os piratas no seu aparelho de som importado, de um milhão de dólares e um dos únicos presentes que a mãe havia trazido a ele de Londres) ocuparam duas caixas. Ela teve o cuidado de separar por estilos: em uma caixa os de rock e em outra os de ska e música eletrônica. Etiquetou. Pensou em ficar com alguns, mas desistiu, pois tinha todos que queria no seu iPod.  
      
      Subiu para o quarto.

      O curioso do quarto é que ele é o lugar da casa que mais guarda segredos e histórias não visíveis a qualquer um. Ela abriu uma gaveta e se deparou com os cartões que havia dado a ele em datas importantes. Todos organizados por ordem cronológica e separados em envelopes maiores: Natal, aniversário, aniversário de casamento, dia dos namorados, dia do profº de Educação Física. ("como gostava de escrever cartões!" pensou) E, talvez de propósito, ele a tenha obrigado naquele instante a reviver lembranças tão doces e lindas, que não condiziam com a situação de mágoa que estavam. Eram letras que contavam mais que histórias: contavam quem eles eram, foram ou deixaram de ser de alguma forma. 

     Abriu o armário. Ainda havia algumas camisas, calças e os dois únicos ternos que ele tinha. Um deles um Armani que ela adorava  e haviam comprado por uma pechincha num outlet em Lima. Riu com a lembrança deles completamente atrapalhados na viagem de volta com 4 pranchas de surf e ela segurando o terno na capa, histérica, porque não queria amassá-lo. Resolveu não colocá-lo em caixa, pois podia amassar e estragar o tecido. As poucas roupas que restavam não ocuparam mais que uma caixa, pois ela as dobrou com um cuidado ímpar. Herança dos seus anos de Daslu.

     Era difícil acreditar que em algumas horas não haveria mais nada dele naquela casa em que foram felizes por anos. Começava ali, naquela despedida, um novo ciclo. E todo novo ciclo pede uma entrada e uma renúncia. E renunciamos todo dia, toda hora, todo momento. Não só para ciclos longos, mas para quando acordamos e vamos dormir. Abrimos mão do sofá porque temos que trabalhar e da TV à noite porque o corpo pede calma. Renunciamos ao mundo com carinho porque sabemos que cada caixa que vai embora é, no mínimo, um aprendizado. Ou uma saudade gostosa da gente mesmo. E ela sentiu uma nostalgia gigante daquele divã que o seu quarto oferecia e se perguntou se a bagunça inconsciente que se acumulou dia após dia não era uma vontade sua, bem sincera e honesta, de obrigá-la a abrir as portas, as caixas e analisar a vida de vez em quando. As caixas vão, mas a gente fica. Fica mais forte e mais nostálgico. Mais saudoso e mais notável também. As caixas vão embora, mas isso tudo fica.  

terça-feira, 8 de maio de 2012

E NÃO VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE


E a história acabou mesmo antes de começar...
Acabou junto com o verão, numa sexta-feira enluarada de março e com ela derrubando algumas lágrimas só para tornar mais dramática aquela despedida de um só.

Imediatamente, não doeu. Chegou até a sentir um certo alívio, pois sabia lá no fundo do seu coração machucado que não ia dar em nada a sua aventura adolescente. Pensava todos os dias em como acabaria aquela piada horrorosa que ela contava para si mesma e o fim foi bem melhor do que ela havia previsto.

Ambos não se acusaram, não brigaram, xingaram ou se maldisseram. Acabara com a mesma classe e silêncio que começara há algumas centenas de dias atrás. Ela se odiou, como era de costume, por ter sido ingênua e boboca, mas até esta sensação não durou mais que um par de horas.
Relembrando todo o enredo vivido, não sabia dizer exatamente o que havia acontecido e em que momento ela começou a acreditar naquela ilusão.

Entendia a raiva de si mesma. O sentimento de ter sido enganada e iludida não condizia com a grandeza do que sonhava e costurava na sua colcha eterna de sonhos impossíveis e dignos daquele romance que ela sempre quis escrever.

Era o momento de ter orgulho e começar a rasgar suas expectativas malucas e rir de cada lágrima derramada e cada dúvida que deixou criar raiz.  O que de verdade machucava era a mania de criar futuros saídos de enredos hollywoodianos e por não ter conseguido mudar a história e se tornar a mulher que queria ser.