Luau Drey

Luau Drey
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quinta-feira, 28 de junho de 2012

EM QUE CAIXA EU GUARDO NOSSO PASSADO?

    
    A função mais difícil da separação, para ela, foi arrumar as coisas dele dentro de caixas e esperar pacientemente pelo carreto levar embora um pouquinho da história dos dois. Havia um mundo de coisas para arrumar e ele teve o cuidado de mandar a mãe deixar várias caixas de papelão - todas do mesmo tamanho - na casa (agora) dela. 
     
    Quando ele telefonou naquele dia, avisando que as caixas chegariam e "ordenando" que ela arrumasse tudo, etiquetasse e não saísse de casa no sábado à noite (????), por conta da chegada do carreto, ela quis protestar, mas desistiu. Raramente, ao conversarem, não discutiam por algo e ela concluiu que se não o fizesse, provavelmente ele apareceria para fazer. Estava cansada. De discutir, de pensar, de controlar situações absurdas que haviam surgido e não travaria uma nova batalha pela arrumação de coisas. Aquele não seria nem o primeiro nem o último sábado à noite que ela ficaria em casa.

    Na sala havia pouca coisa. Os CDs, todos originais, (ele se negava a colocar os piratas no seu aparelho de som importado, de um milhão de dólares e um dos únicos presentes que a mãe havia trazido a ele de Londres) ocuparam duas caixas. Ela teve o cuidado de separar por estilos: em uma caixa os de rock e em outra os de ska e música eletrônica. Etiquetou. Pensou em ficar com alguns, mas desistiu, pois tinha todos que queria no seu iPod.  
      
      Subiu para o quarto.

      O curioso do quarto é que ele é o lugar da casa que mais guarda segredos e histórias não visíveis a qualquer um. Ela abriu uma gaveta e se deparou com os cartões que havia dado a ele em datas importantes. Todos organizados por ordem cronológica e separados em envelopes maiores: Natal, aniversário, aniversário de casamento, dia dos namorados, dia do profº de Educação Física. ("como gostava de escrever cartões!" pensou) E, talvez de propósito, ele a tenha obrigado naquele instante a reviver lembranças tão doces e lindas, que não condiziam com a situação de mágoa que estavam. Eram letras que contavam mais que histórias: contavam quem eles eram, foram ou deixaram de ser de alguma forma. 

     Abriu o armário. Ainda havia algumas camisas, calças e os dois únicos ternos que ele tinha. Um deles um Armani que ela adorava  e haviam comprado por uma pechincha num outlet em Lima. Riu com a lembrança deles completamente atrapalhados na viagem de volta com 4 pranchas de surf e ela segurando o terno na capa, histérica, porque não queria amassá-lo. Resolveu não colocá-lo em caixa, pois podia amassar e estragar o tecido. As poucas roupas que restavam não ocuparam mais que uma caixa, pois ela as dobrou com um cuidado ímpar. Herança dos seus anos de Daslu.

     Era difícil acreditar que em algumas horas não haveria mais nada dele naquela casa em que foram felizes por anos. Começava ali, naquela despedida, um novo ciclo. E todo novo ciclo pede uma entrada e uma renúncia. E renunciamos todo dia, toda hora, todo momento. Não só para ciclos longos, mas para quando acordamos e vamos dormir. Abrimos mão do sofá porque temos que trabalhar e da TV à noite porque o corpo pede calma. Renunciamos ao mundo com carinho porque sabemos que cada caixa que vai embora é, no mínimo, um aprendizado. Ou uma saudade gostosa da gente mesmo. E ela sentiu uma nostalgia gigante daquele divã que o seu quarto oferecia e se perguntou se a bagunça inconsciente que se acumulou dia após dia não era uma vontade sua, bem sincera e honesta, de obrigá-la a abrir as portas, as caixas e analisar a vida de vez em quando. As caixas vão, mas a gente fica. Fica mais forte e mais nostálgico. Mais saudoso e mais notável também. As caixas vão embora, mas isso tudo fica.  

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