Luau Drey

Luau Drey
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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O ÚLTIMO CONTO

Era uma manhã diferente. Daquelas que você não tem certeza se será ótima ou péssima e sente até uma insegurança com o que está por vir. Mas fazia sol. Um sol tímido para um dezembro paulistano, mas estava ali e para ela era isso que importava. Enquanto pedalava de volta do trabalho para casa pelas ruas do Planalto, ouvindo The Killers no iPod, voltou 18 anos atrás e pode, por segundos, sentir o cheiro do mar. Sentiu saudades da praia, dos amigos, do tempo e das tardes inteiras na areia que lhe rendiam um bronzeado despretensioso, mas de causar inveja. Sentiu falta das preocupações que tranquilamente aguardariam até o final do verão para serem resolvidas, pois nada naquele momento importava mais que o sol, a praia, os amigos e tudo que aquela estação do ano prometia. Mas há 18 anos atrás, como naquela manhã de agora, ela não tinha certeza de nada. Apenas que era um dia lindo de dezembro, com o sol brilhando - mesmo que tímido- e percebeu, com certa melancolia, que o tempo, implacável, havia passado. Ao subir a passarela da 23 de Maio- que naquele pedaço não chama 23 de Maio e ela também não fazia ideia de como se chama e isso pouco importava- voltou alguns meses atrás e teve uma sensação incômoda de infelicidade. Enquanto se concentrava em desviar do lixo com a bicicleta, fazia uma força sobre humana para retornar aos pensamentos anteriores. Sem sucesso. Aquele nó na garganta e o gosto amargo da insatisfação chegavam a sufocá-la. Todo o caminho - pouco mais de 10 minutos - foi de lembranças intercaladas de um passado muito distante e um outro recente, tão diferentes e antagônicos que ela, por segundos, pensou em não trabalhar no dia seguinte e ir a praia fingir que tudo era igual e fácil de se resolver.
Estava muito difícil compreender a dinâmica do que estava acontecendo. Um período turbulento havia se formado como nuvens ameaçadoras naquele céu tão claro e azul. E um dia seu castelo desabou. Perdeu o controle das coisas. Se perdeu no seu mundo inventado e não havia mais como se encontrar. Sentia-se triste, desleal e concluiu que sempre soube que aquilo, provavelmente, não acabaria bem. Começou a ter dúvidas da sua sanidade. Não se parecia com ela. Ela, que odiava as coisas mal explicadas, sequer tinha uma explicação plausível para aquele turbilhão. Livros, frutas, autores, crise conjugais, horas de conversa e centenas de palavras escritas. Se estivesse realmente fora de seu juízo perfeito, poderia facilmente ter inventado o príncipe encantado, o homem dos seus sonhos, tão diferente dos seus sonhos... Ele a faria escrever de novo, devolveria suas ideias, seus sentimentos, sua enorme habilidade em criar histórias lindas. Em falar sobre tudo. Ele a salvaria daquele vácuo de criatividade que a assombrava, graças a sua infelicidade.
Por segundos pensou se não havia falado demais. Ela sempre falava demais. E agia impulsivamente. Agia consciente dos riscos, das lágrimas causadas e por mais que doesse agora, não se arrependia de nada. Muito foi devolvido a ela naqueles instantes efêmeros, mas inesquecíveis. E tinha que concordar com seu pai que contos de fadas com finais felizes só existiam nos livros que ela lia e gostaria de escrever.
Ela havia sonhado demais. Desde o início era um sonho solitário. Não foi enganada, iludida, induzida ao erro. Sempre soube que aquele sonho pertencia somente a ela. Como se apenas um personagem coubesse naquela história que ela mesma havia escrito.
Ao descer sua rua, mergulhada em tristes lembranças, ouviu a voz da filha no quintal. Abriu o portão - era um barulho peculiar o do bambu no chão -e sua garotinha a recebeu com um livro na mão. "-Mamãe! Mamãe! Olha o que o papai comprou!!"
O marido chegou sorrindo. Na mesma hora ela desvendou aquele sorriso que conhecia há mais de 20 anos. Ele estava sendo irônico, pois havia comprado um livro e não outra raquete de tênis.
Então, ela também sorriu. Depois, gargalhou. Riram juntos como há muito tempo não faziam. Aquela era a sua vida. A vida que ela havia escolhido ou que escolheram para ela. Dane-se! Era a vida que ela tinha e que apenas naquele momento teve a certeza de que era feliz. Não do jeito que havia planejado, mas estar ali, naquela casa, com seu cachorro e sua família linda era tudo que ela poderia querer. Havia períodos bons e outros ruins e aquele era apenas um ruim e já estava passando.
Abraçou o marido. Quando os corpos se encontraram foi como se nunca houvessem se separado. Sua cabeça se encaixava perfeitamente nos músculos do peito e os braços a enlaçavam e protegiam como asas de anjo. Nada disseram. Não era necessário. Ficaram longos minutos abraçados, se desculpando em silêncio. Ela podia ouvir sua garotinha conversando com o cachorro naquela alegria infantil, tão características das crianças.
Teve certeza que aquelas duas pessoas a amavam e a viam gigante, de verdade, mesmo que se escondesse. Naquele momento foi como se os dois dissessem: "- Você voltou? Que bom! Sentimos saudades!"
Começava ali uma outra parte da sua vida! Como se tivesse acordado de um coma e reconhecendo o mundo novamente. O seu mundo. E o sonho... Era apenas um sonho.
FIM


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